PORQUE NENHUM DE nóS SE IA IMPORTAR DE MORAR NUMA BIBLIOTECA…

terça-feira, 30 de agosto de 2011

"Despedida" de Rubem Braga



E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


Extraído do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.
Rubem Braga

domingo, 14 de agosto de 2011

"Ao Espelho" de Margarida Rebelo Pinto



Há qualquer coisa de profundamente irresistível nos homens que nunca deixam de ter ar de rapazes que jogam à bola e vão a pé para o liceu. O olhar aceso de quem acabou de roubar chocolates da dispensa, o andar errático, os cabelos sempre despenteados, as mãos claras, direitas e sem marcas do tempo e o riso tímido como se fosse sempre a primeira vez. São meninos para sempre e podem viver para sempre no coração de uma mulher.
Tu és assim uma espécie de rapazinho capaz de grandes tropelias que esconde a idade atrás da candura que nunca perdeste, apesar de todas as marcas que foste herdando dos dias; a infância guardada numa caixa escondida debaixo da cama, a adolescência dos copos e das drogas leves, o teu melhor amigo que roubou a miúda de quem gostavas no Verão em que fizeste 18 anos, a primeira vez que andaste à pancada, o medo do outro ser mais forte e de se rirem de ti, a vontade de sair de casa e abraçar o mundo, e depois a solidão repartida entre as mulheres que desejaste e nunca tiveste e as outras, as que te incendiavam o corpo e te deixavam o coração em pedra porque nunca as amaste.
Depois cresceste, começaste a trabalhar, a usar fato e gravata quando era preciso e agora, todas as manhãs, ao espelho, perguntas à tua imagem quem és tu afinal, a viver numa cidade que não é tua nem de ninguém numa casa pequena demais para os teus sonhos que se dissolvem no vapor do duche da mesma forma que já perdeste uma ou duas mulheres que não soubeste ou quiseste amar da forma certa, aquela que faz com que as pessoas continuem juntas pela vida, como se tivessem sido separadas à nascença e um fio invisível as voltasse a unir para sempre. E perguntas à tua imagem onde vês um homem mais baixo, menos belo e menos inteligente do que na realidade és se essa mulher já passou pela tua distracção ou se a divina providência ainda ta pode trazer, vestida de Primavera com os cabelos compridos e um sorriso tão sem idade como o teu. Imaginas a sua chegada como se descesse de um baloiço suspenso das nuvens, as pernas compridas e os braços estendidos, o cheiro adocicado da pele clara, a boca a pedir atenção e o olhar a perguntar-te se a vais escolher, quando foi ela que já te escolheu e só te está a dar a ilusão que és tu que mandas nas tua vida.
Ao espelho, onde vês o reflexo entre o homem que és e aquele que gostarias de ser, respiras fundo e desejas que essa mulher chegue um dia, mas não demasiado cedo para te assustar nem demasiado tarde porque entretanto pode aparecer outra e tu vais deixar-te ir, convencido que é essa e não eu a mulher da tua vida.
O que tu não sabes, meu querubim cansado, é que do outro lado do espelho eu te vigio, como se fosse o teu avesso e te protejo, como se fosse o teu presente, e te desejo, como se pudesse ser o teu futuro.
Mas é ainda demasiado cedo, é ainda tempo de guardar no silêncio dos dias a vontade de te querer. É ainda de manhã e tu estás atrasado para o trabalho e eu estou adiantada na tua vida, por isso respiro fundo do outro lado da tua imagem e espero, sentada no baloiço, lá mesmo em cima, para que não me vejas, que um dia dês o salto para o outro lado da tua vida e sejas quem sempre sonhaste para que te vejas ao espelho como eu já te vejo, como tu és.

"Pequenos Gestos" de Margarida Rebelo Pinto



Não nasci com asas, mas o céu já era meu quando virava a cabeça e o avistava por entre as árvores. A minha mãe diz que aprendi a subir às árvores mesmo antes de começar a andar: ainda gatinhava quando os meus pais apanharam o primeiro susto. Eu subia às árvores com a minha irmã Matilde, ficávamos horas e horas escondidos lá em cima a espiar o mundo, enquanto os outros miúdos tentavam subir ou se conformavam em trepar árvores mais baixas.
Gostávamos de nos pendurar nos ramos e de ficar a balançar para a frente e para trás como se fosse um trapézio. Por vezes saltávamos de uns ramos para os outros, tal e qual como faziam os macacos que vinham ao nosso terreno roubar fruta das árvores.
Eu perseguia-os por entre os ramos e eles pareciam rir-se na minha cara. Ou talvez pensassem que eu era um macaco como eles, apenas de uma espécie diferente, da espécie que usa calções vai à escola.
O meu pai lia muito, ao serão, depois do jantar. Romances e livros de filosofia. A filosofia sempre foi a sua paixão. A filosofia e o mar. De manhã cedo, via-o a sair para praia com a prancha de surf debaixo dos braços. Durante as férias ao aos fins de semana ia com ele, e foi assim que aprendi a fazer surf ao mesmo tempo que coleccionava letras e números.
O mar e o céu vivem de mãos dadas no horizonte. São como siameses que o universo separou para que a terra pudesse existir. Sou mais feliz dentro de água ou acima da terra, e por isso decidi, no cimo das árvores que um dia ia ser piloto e sobrevoar o Mundo. Sempre quis viajar, conhecer todos os continentes, aprender várias línguas, viver em muitas cidades até descobrir um lugar perfeito onde o mar e o céu se encontrem sempre com o meu olhar. Uma terra tranquila sem guerras e com sol, um segredo escondido que não venha em nenhum mapa e onde não tropece em turistas de chinelos caros e chapéus de palhaço rico.
O que eu nunca pensei, minha pequena fada que me esperas ao final da tarde numa casa branca cujas janelas se encontram com o horizonte em que ao siameses se juntam, é que posso voar em terra e mergulhar nas ondas sempre que te vejo, posso chegar ao céu sem ligar os reactores e deslizar sobre as águas com a perfeição dos pequenos gestos.
Não sei se é a isto que os deuses chamavam amor, mas cada vez que chego e tu me abres o portão para me deixar entrar no teu corpo e no teu coração, sinto que todos os elementos estão sob o mesmo tecto. O teu corpo é como uma concha, o teu olhar como um rio; os teus braços uma ilha e o teu peito a minha casa.
Não sei de que é feito o amor, nunca descobri o seu segredo, mas sei que ando lá perto, que perto de ti, nos mais pequenos gestos, há uma espécie de amor que transpira no ar e transborda como uma onda e que me atira para aquele lugar perfeito que só existe no meu coração.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

"Sonho Paranormal" de Autor Desconhecido



Neste final de semana conversava com amigos sobre os sonhos, significados dos sonhos e assuntos relacionados.
Um dos colegas relatou sua experiência com sonho paranormal e após nossa conversa me lembrei de um texto que havia lido no livro “No Mundo dos Sonhos”, Ed. Abril Livros o autor não foi mencionado.
Este é o texto que relata uma experiência com sonho paranormal.
Quando rapaz, o químico aeroespacial Edward Butler não acreditava muito em sonhos e nunca havia ouvido falar nos chamados sonhos paranormais. Contudo, em 1959, Butler teve um sonho que jamais esqueceu. O sonho e seus efeitos correlatos afetaram E. Butler profundamente e, em 1988, pela primeira vez, ele contou-o em um programa de televisão.
O sonho ocorrera quando Butler tinha 25 anos e trabalhava em New Jersey, numa empresa que produzia motores e combustíveis para foguetes. No sonho, estava sentado em seu laboratório, em mangas de camisa, quando o edifício foi sacudido por uma explosão violenta. Correu para fora e descobriu que o laboratório ao lado estava em chamas. Alguém gritava lá dentro. Ele penetrou por entre a fumaça e as labaredas e encontrou sua colega de trabalho, Rita Dudak, queimando como uma tocha, em chamas da cabeça aos pés. Butler sonhou que a puxara pelas pernas e a levara para o seu laboratório, onde a colocara sob os chuveiros de emergência, apagando o fogo.
Ao acordar, Butler avaliou alguns detalhes curiosos do sonho. Era esquisito que estivesse trabalhando com mangas de camisa, pois o pessoal do laboratório sempre vestia aventais a prova de fogo, uma vez que as experiências perigosas assim o exigiam. Também era estranho que Rita Dudak estivesse sozinha em seu laboratório. Três assistentes normalmente estavam com ela. Mas Butler deu de ombros ante a possibilidade de resolver a charada e esqueceu o sonho.
Porém, o sonho não queria desaparecer. Tornou a voltar, não todas as noites, mas com bastante freqüência e persistência, durante alguns meses.
E a coisa aconteceu. Na tarde de 23 de Abril de 1959, Butler batia um relatório à máquina e, como a área era segura, os regulamentos permitiam que se trabalhasse em mangas de camisa. Na porta ao lado, Rita Dudak realizava uma experiência com algumas substâncias altamente explosivas. Ela estava em pé, por trás da proteção de dois escudos plásticos, mas chegara à um ponto da experiência em que precisava tocar nos aparelhos. Por isso, levantou um dos escudos e empurrou outro de lado.
No momento em que Rita livrou-se dos escudos, as substâncias explodiram, estilhaçando vidros e espirrando combustível no rosto, nos ombros e nos braços dela. Em alguns segundos seu rosto ardia em chamas. O calor era tão intenso que os óculos protetores derreteram em seus cabelos. Ela tinha a certeza de que iria morrer …
Butler surgiu pela porta neste minuto. Ele e Dudak estavam sozinhos naquele inferno, exatamente como no sonho. Dois dos assistentes dela tinham ido tomar café e o outro fugira atemorizado após a explosão. Butler lembra-se que passava pelas labaredas gritando o nome de Dudak. Quando a encontrou, viu que estava do mesmo jeito que aparecia no sonho. “Ela queimava como um pavio”, recorda Butler, “completamente em chamas; o corpo inteiro ardia.” Por um instante, ele interrompe a narração, mas depois continua: “Acho que comecei a agir como um autômato porque estava representado o papel do sonho. Eu deveria ser capaz de agarrá-la pelas pernas, puxá-la para fora das labaredas, levá-la ao meu laboratório (…) e colocá-la sob o jato do chuveiro.”
Rita Dudak passou sete longos meses no hospital